6. Como pensar Filosoficamente

Com a pergunta “ser ou não ser, eis a questão”, Shakespeare ensinou muitas gerações a pensarem filosoficamente. Esta pergunta penetra no âmago de nossas preocupações reais, isto é, estamos sempre nos perguntando se esta coisa é o que é ou apenas tem uma aparência que engana.

Para pensarmos filosoficamente precisamos imaginar uma linha divisória entre o objeto e o sujeito, ou seja, entre a coisa que está sendo pensada e o ser que está pensando na coisa. Vamos supor que estamos pensando a ideia da “laranja”. Em momento algum podemos nos confundir com a fruta ou com a cor laranja, mesmo que estejamos nadando em uma piscina de laranjas. Há uma distância real entre o sujeito que pensa e o objeto que está sendo pensado. 
  
Você sabe que as aparências enganam? Foi com esta base que Platão criou um sistema filosófico para ensinar a humanidade a pensar filosoficamente para além das aparências, ou melhor, além dos cinco sentidos. Sua missão filosófica jamais foi superada, pois ficou evidente a todos os pensadores posteriores que as aparências representam algo que não são. Shakespeare estava certo! A maior questão da filosofia é decifrar a distância entre o “ser e o não ser”, entre a aparência de um objeto e sua real existência.

A fruta que hoje é uma laranja, amanhã será uma árvore inteira, com raízes, caule, folhas e frutos. Esta mesma fruta não passava de uma pequena semente, insignificante e desprezível. E agora? O que é esta coisa em nossas mãos? Uma fruta? Uma árvore? Uma semente? Eis a questão! Se ela é uma laranja, como pode se tornar uma árvore? Se ela se torna uma árvore, como dizer que seja uma fruta?


Para pensar filosoficamente é necessário distanciar sujeito e objeto, mas quando nos distanciamos dos objetos acabamos nos alienando, ou seja, nos tornamos estranhos aos objetos. Neste caso podemos chamar a laranja de limão ou de cereja que não fará diferença alguma, afinal, a fruta é um objeto estranho, desconhecido e que não se impõe como laranja a ninguém. Como resolver este dilema? Somente por uma aproximação entre os sujeitos que investigam as frutas e concordam em chamar esta fruta de laranja, não de limão ou de cereja. É tornar o objeto uma parte do sujeito.

5. Quem é realmente Filósofo?

Filósofo verdadeiro é aquele que problematiza um assunto encontrando as falhas lógicas que existem nos discursos existentes. Isto significa que todas as pessoas podem filosofar, mas poucas são realmente filosóficas, isto é, pouca gente realmente consegue encontrar as verdadeiras falhas lógicas de um discurso bem elaborado.

Pense em Sócrates, considerado o pai da filosofia, ouvindo os mitos de Homero cantados por um aedo, um poeta andarilho. De repente sua mente lhe aponta as falhas lógicas dos cantos, mas ele não pode interromper o recital, pois isto não é justo, nem bom, nem proveitoso. Sócrates suporta o erro lógico do mito em favor de uma postura ética diante do aedo. Mas após o recital Sócrates invade a particularidade do poeta e lhe faz muitas perguntas sobre sua arte de cantar os mitos, ao ponto de fazer o aedo reconhecer as falhas lógicas de seus poemas.

O filósofo autêntico não se coloca a filosofar para que as plateias o aplaudam, pois os auditórios se impressionam com frases de efeito e jargões explosivos, mas não absorvem o real propósito da Filosofia, que é provocar a inquietação diante dos absurdos propostos pelos falsificadores da verdade. As massas admiram o espetáculo dos poetas, mas desprestigiam as provocações dos filósofos, e isto afasta o verdadeiro filósofo das querelas populares.

Há filósofos que defendem o populismo ou a democratização da filosofia, no entanto a experiência não favorece a ideia de uma filosofia real produzida sem livros e sem critérios, de boca em boca e nas esquinas das ruas. Aliás, este tipo de filosofia populista sempre existiu e continuará existindo, mas não irá além das esquinas e das salas de aula onde os alunos são obrigados a copiar textos que não fazem sentido para nenhum deles.

Raramente se ouvirá falar que um filósofo tenha saído das salas de aulas do Ensino Médio Brasileiro, pois não é esta a finalidade da filosofia na escola. Mas o inusitado pode acontecer, e neste caso teremos um filósofo autêntico lendo estas palavras e se inquietando com este discurso, procurando as falhas lógicas de meus argumentos e que devem ser contra-argumentados.

4. Quando passamos a Filosofar?

O marco zero da filosofia é a curiosidade. Os gregos contam inúmeros mitos consagrando a “curiosidade” como a responsável pela desgraça dos homens, afinal, sem curiosidade Pandora não haveria liberado as tragédias presas na caixa que Epimeteu recebeu dos deuses. Sem curiosidade os amigos de Ulisses não teriam liberado os quatro ventos que Eólio havia prendido em um saco. Sem curiosidade Ícaro jamais teria voado com suas asas de cera perto do carro do Sol.

Sempre que nos mostramos curiosos em descobrir algo, somos convidados a filosofar. A diferença entre a curiosidade mitológica e a filosófica está na metodologia que empregamos, pois nos mitos a curiosidade produz tragédias desestimulantes, afinal os deuses detestam o anseio humano pelo desconhecido e trapaceiam para derrotarem o curioso. Mas a filosofia atua de outra forma, provocando mais e mais curiosidades, tornando o homem um inconformado com sua falta de conhecimento das coisas.

Os filósofos desenvolvem métodos de investigação para satisfazer a exigência da curiosidade. Heráclito, por exemplo, usava a polêmica. Parmênides usava a lógica da não-contradição. Sócrates fazia perguntas, mas não respondia. Platão eliminava quem não conhecesse a ciência dos números. Aristóteles dividia tudo em átomos. Como vemos, a filosofia exige que se crie um método, e isto é curioso.

Atualmente a Filosofia se ocupa com a questão do trans-humanismo, pois há uma curiosidade em saber como seria a vida eterna de uma consciência neste mundo. Seria possível vencer a barreira da morte e continuar eternamente consciente neste mundo? Será que a tecnologia dos andróides poderia evoluir ao ponto de haver um hardware que suporte o download de uma consciência humana? O ser humano continuaria sendo humano sem um corpo humano, mortal e sensível a este mundo?

Esta curiosidade é como a de Pandora, e pode abrir uma caixa de extermínio para a humanidade? Em que ponto estamos? A Filosofia da Mente se ocupa exclusivamente em investigar este assunto e desde a máquina decifrar códigos secretos até a nanotecnologia se passou menos de um século e os homens estão em busca da partícula de Deus, conhecida como anti-matéria.

3. Onde surgiu a Filosofia?

Os historiadores consagraram a Grécia Antiga como berço da Filosofia e dificilmente esta patente será quebrada. No entanto há um consenso de que a Filosofia tenha suas raízes mais profundas fincadas na Mesopotâmia, junto aos rios Tigre e Eufrates, pois os babilônios eram legendários em sua cultura de sabedoria. Também os egípcios produziram obras de sabedoria, assim como os chineses e os indianos, as quais são comparáveis aos escritos de Homero, Hesíodo, Pitágoras e demais pensadores gregos.

Por que a Grécia ganhou status de berço da Filosofia? Por três fatores conjuntos: fator político, afinal ela se apossou do mundo antigo por meio das guerras de Alexandre Magno e espalhou seu domínio ao mundo ocidental, oriental e asiático; fator ideológico, afinal o helenismo é uma cultura que encanta o pensamento oferecendo ao homem sábio um pedestal que o eleva acima de seus pares e do mundo físico; fator econômico, afinal a filosofia grega rendeu e ainda rende um bom dinheiro aos inventores da história.

Os inventores da história tendem a criar elos entre fatos isolados e ligar pontas soltas, dizendo que Homero e Hesíodo escreveram suas mitologias, depois Heráclito e Parmênides escreveram suas pré-filosofias. Foi então que surgiram os sofistas vendendo aulas e os filósofos combatendo a sofística. Por fim surgiram os ecléticos misturando pensamentos de uns mestres com outros, todos eles em busca de uma Filosofia da Vida Boa.

Em nosso tempo esta história bem contada sofre séria revisão, pois muitos historiadores usam um método de investigação chamado “desconstrucionismo” o qual pretende desmontar o Mito Grego e comprovar que a Filosofia tem muitos berços, e não somente este consagrado pela História Antiga. Mas a tarefa dos revisores não é fácil, afinal, a quantidade de documentos preservados pela tradição filosófica é majoritariamente a favor da Grécia e contra o desconstrucionismo.


A Grécia se destaca como berço da Filosofia por fatores políticos, ideológicos e econômicos. Isto significa que se os egípcios, os chineses ou os indianos houvessem exportado suas filosofias ao mundo distante, como fizeram os gregos, a história da sabedoria teria que dividir o berço com mais povos, afinal, todas as nações criaram mitologias e as superaram com mitos maiores.

2. Por que devemos Filosofar?

Devemos filosofar por motivos existenciais, científicos e espirituais. Existenciais por causa de nossa necessidade em encontrar sentido para a vida neste mundo; Científicos por causa de nossa necessidade em dominar o mundo em que vivemos; Espirituais por causa de nossa necessidade em vencer a tragédia da morte.

Alguém dirá que a filosofia é necessitarista, isto é, ela se ocupa apenas com aquilo que é absolutamente necessário, e fora das necessidades não é necessário filosofar. O difícil é definirmos a fronteira entre o necessário e o dispensável, pois há uma relação de dependência entre o relativo e o absoluto. Não há nada que seja relativo em si mesmo, ou seja, que possa ser dispensado por completo sem interferir no resultado de sua ausência.

Vamos supor a “teoria do vácuo absoluto”, onde o vazio é total sem nada dentro. Neste caso o vácuo é alguma coisa e o nada não existe, pois existe algo que chamamos “vácuo” e que tem algo dentro: “o vazio”. Neste caso o “vácuo” é necessário, pois sem ele o vazio não existe. Mas sem o vazio o vácuo também não existe. E sem o vácuo não podemos pensar o espaço cheio de tudo em volta.

Como se vê temos três razões para filosofar. Existenciais, pois necessitamos de sentido para vivermos neste mundo de vácuos e vazios sem explicações. Científicas, pois é um absurdo continuarmos na ignorância acerca de nossas potências e forças para controlar estes vazios e vácuos. Espirituais, pois devemos ir além deste mundo para satisfazermos a finalidade de nossa vida.


A filosofia não se limita a buscar respostas e oferecer soluções racionais. Ela se alimenta de uma inquietude permanente que destrói tudo a sua volta, como uma criança curiosa que joga seu brinquedo no chão somente para descobrir o que tem dentro dele. Mas ao contrário da criança que desiste logo de brincar, a filosofia procura criar novos brinquedos com as peças soltas e consegue inventar sentidos para esta vida, doutrinas que explicam o mundo e esperança para um futuro melhor, onde a Vida Boa é uma realidade para todos os que já respiraram o ar deste mundo.